quinta-feira, 25 de junho de 2009

Regina

A personagem dessa estória curiosa é Regina. Moradora de rua a mais de dez anos que encontrei costurando sua própria roupa embaixo do viaduto. Sentei ao seu lado para um bate-papo informal, as pessoas que passavam me lançavam olhares curiosos, alguns reprovadores, mas não pensei em levantar. Interessei-me por aquele ser cheio de vida, pela expressão envelhecida, porém, nem um pouco sofrida.
Mulher vivida, 47 anos de idade e muitos lições a ensinar. Mãe de dois filhos que estão pelo mundo, ela fazia questão de frisar a todo o momento o seu maior desejo, encontrar os filhos que há 20 anos não vê. Senti naquele momento toda a sua emoção e percebi os olhos marejados das lágrimas que tentava esconder. Experiente, a senhora de fortes traços já passou por tudo na vida. Quando ainda morava no Rio de Janeiro, realizou seis abortos, dos quais, hoje se arrepende. Regina encontrou forças na Igreja Universal, onde se libertou de culpas e passou a enxergar a vida de outra forma.
O papo já estava intimo e agradável, eu observava bem a sua face que já não possuía a mesma tristeza. Relaxada e mais confiável, me contou que já foi modelo e que só não continuou com a carreira por ter engravidado de sua filha. Obrigada a voltar para Campos dos Goytacazes, se viu rejeitada pela família e foi para as ruas. Momentos que prefere não lembrar fizeram parte de sua trajetória.
A conversa estava fluindo, repentinamente Regina pergunta pelo meu interesse em sua vida, já que a grande maioria das pessoas, que por ali passa não olha, sequer senta para saber o que ela pensa e o que faz. O medo estava presente em sua voz e a minha, sumiu. Eu estava tão entretida que fui pega de surpresa, mas expliquei que se tratava de um trabalho universitário. Ela se convenceu, mas nem tanto, porém continuou a narrar os fatos de sua vida.
Respirei e continuei a ouvi-la, sem fazer muitas perguntas para deixar a conversa mais agradável, no entanto, a fala é interrompida e a sacola ao seu lado é remexida. Para minha surpresa, um livro de Jorge Amado surge. Um sorriso se abre e a mulher de rua afirma que quando não tem o que fazer, senta para ler os livros que são doados pelas pessoas que ela conhece de suas andanças.
O seu discurso parecia de pessoa letrada, porém, os estudos foram até a 4° série, pois é, uma moradora de rua que lê Jorge Amado, já leu Machado de Assis e Fernando Pessoa. Para algumas pessoas, será difícil acreditar, eu sei, mas é verdade.
Regina leva uma vida normal, trabalha para alguns feirantes do mercado municipal e ganha um troco, como ela mesma diz. Ela faz faxina nas bancas, toma banho por lá mesmo, porém, quando está muito frio, prefere um banho quente. Para isso é necessário pagar uma diária que não passa de R$ 8, 00 em um dos hotéis que fica ali pela redondeza.
No verão, a diversão é no Parque Alberto Sampaio que vira um clube para os moradores de rua nessa época do ano. Motivo pelo qual estava de dieta. Interessei-me pela sua alimentação e acabei perguntando pela mesma. Ela soltou uma gostosa gargalhada e me disse que sua refeição preferida é miojo. A satisfação só em lembrar-se do prato estava estampada no seu rosto.
Na hora da despedida, ela segurou a minha mão e desejou-me felicidades e que Deus estivesse sempre comigo. Fui para casa com a sensação de dever cumprido, afinal, a minha missão era fazer um trabalho que iria me garantir nota. Lições que vão além das salas de aula me foram proporcionadas hoje por uma simples mulher que passa o dia na rua e dorme em uma caixa de papelão. Ensinamentos que me despiram de qualquer vestígio de preconceito que ainda pudesse existir em mim.